Felicidade


E  a mim, que fui ostracizado por todos
Todos exatamente iguais a mim
Todos vítimas dos seus próprios dedos em riste
Que um dia já apontaram a outrem
E que já previram um suposto naufrágio
Em águas tão rasas quanto às da vida.
-
E a mim, cujo barco só conhece as águas da alma
Cujas velas não funcionam por terem idiossincrasias
Tive o rosto escarrado.
Escarrado pelos próprios filhos do escarro
De cima de um muro de incertezas
Construído sobre os restos indiferentes e indefiníveis
Daqueles que sentiram a dor e caíram por pena de si.
-
E a mim, atingido pelo coitadismo de vidas
Que jamais tiveram um grão a mais do que eu
Mas que tem os mesmos grãos dos seus irmãos
Não tocam a mim com suas promessas
De caridades, de calmaria e unção
Mas todos somos reféns de nossas felicidades!
[falhas, efêmeras, mesquinhas].
-
E a mim que optei pela bala que perfura o crânio
Que lança ao chão e revela o que somos nós
[não o que poderíamos ser, nem o que fomos]
Enquanto assisto a todos que conheci
Fingirem que não há dores
Com a boca no cano de sua arma de felicidade.
-
A mim, meus caros irmãos
Reservem um pouco do desprezo e asco
E me deixem estirado no chão, acéfalo
Rastejando no que sou, espectador das brincadeiras
Nos ecos, nos risos, nas glórias que jamais valeram algo.
-
Meus caros irmãos, quiçá um dia sintam a bala penetrar a garganta
E então olhem os bilhões ao redor:
Sim, nós estamos todos sós.

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