Poema Imperfeito

Todas as manhãs,
-meu fardo e minha glória-
recomeço a escrever
só.

As mãos, em sua consciência de mãos,
querem palavras sobre palavras;
o coração, não.
Seu interesse é dizer todo o invisível
todo o profano
(no seu vagar sagrado)
em dois ou três versos certos
sempre com aliterações.

O primeiro verso vem
como um efeito colateral
do ato de existir,
simplesmente inesperado
mesmo sendo protocolo.
Segue-se o adjetivo que sonhei
mas que não tem palavra
para se expressar
e somente
brilhará.

A estrutura, crio e implodo
me subjugo a tudo e,
tolo,
sonho em ver o completo crescer
da obra ideal
entre o ocaso e o acaso
e durmo
na certeza de que te criar é possível,
ainda que aos poucos:
mudo-te,
todos os dias,
te mudo
e talvez até
te ame
em tudo o que há
e principalmente
no que não haverá.
No escrever me vejo argonauta,
me vejo Ulísses, me vejo Quixote
e me redimo dos nomes
ao venerar
diapósdia
tua ausência de título
tua presença em tudo.

Todas as manhãs,
-meu fardo e minha glória-
recomeço a te escrever
só.