O Fim do Começo

Eu não me lembro de como eu era. Eu não me lembro da imagem no espelho, da forma como eu pedia ajuda, das mãos sempre distantes de minha mãe, dos motivos que eu tinha para não rir e das felicidades passadas, as mais cruéis dores presentes.
Este já não sou eu. Não me reconheço em gestos-amores-olhares. Sou eterno em palavras por sua quentura em noites lúgubres, que já não consigo me lembrar. Sou parte dessa poesia incompreendida que nos tornamos, todos nós, todos os dias. Sou outra-uma vírgula neste mundo.
Hoje, foi-se o meu sonho e ficou o meu homem, com sua eterna ironia: a evolução perfeita nos criou menos mineral que os minerais, menos animal que os animais, menos humano que os humanos que poderíamos ser.

Neste mundo, cada homem é um livro que começa do fim.

Vida sem obra de Vitor Ribeiro

Vitor Ribeiro é um jovem como você, que pensa ser diferente de jovens como você. No entanto, Vitor apenas sabe manusear um lápis e acha que, de alguma forma, pode mudar algo com isso. Vitor sempre se esquece destas pessoas que andam com pedras-borrachas na mão. Na verdade, o contratorpedeiro e o devaneio residem apenas em Vitor Ribeiro, é inútil lutar. Vitor também carrega uma caixa embaixo do braço e não sabe sair de casa sem ela. Na caixa, já surrada, se encontram as tristezas de Vitor Ribeiro, que ele insiste em mostrar para transeuntes na rua. Os transeuntes, no entanto, não são complacentes, afinal, já esconderam suas caixas sob seus travesseiros. Vitor Ribeiro sempre está acompanhado porque não sabe, sozinho, implodir a si mesmo, tampouco consegue recolher sozinho seus pedaços por aí. Quando Vitor consegue finalmente juntar os seus cacos, volta a procurar por alguém para uma nova implosão, mas cada vez é mais difícil achar os pedaços de Vitor, que diminui dia após dia e implosão após implosão. Vitor procura também abraços em páginas de livros, pois eles sempre são mais sinceros se estiverem em imaginações e, como diz Vitor, nunca mais foi visto um abraço na calçada. Que sentimentalismo anacrônico o de Vitor Ribeiro, não? Ele também acha. Ao se observar Vitor, não há mais lógica a afirmação de que cada homem é um universo, pois a Xanadu de Vitor tem 3 metros por 3 e sua Ítaca está sobrecarregada pelo tráfego desde 1995. É lamentável que ainda haja Vitor Ribeiro em um mundo de engrenagens, cotações e frustrações. Mas não se preocupe, leitor, lembre-se que Vitor está sumindo dia após dia e, nós esperamos, suas palavras se transformem em algo mais útil, como uma chave ou um abridor de latas. E um adendo, se você encontrar Vitor Ribeiro na rua, siga os seguintes passos: 1-Acenda um fósforo léxico 2- Cause a implosão de Vitor Ribeiro 3- Corra antes que você se machuque. E não se preocupe, Vitor ficará bem.